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A inevitável reforma trabalhista...
O ano de 2017 já começou acelerado, com uma agenda desafiadora no âmbito nacional que, dentre outros temas, tem em pauta a reforma trabalhista. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, como um dos primeiros atos após sua recondução ao cargo anunciou a instalação de comissão especial para encaminhar o assunto, que, possivelmente, seguirá tramite ordinário nas Casas Legislativas em razão da resistência dos que temem mudanças.
Mas afinal, a reforma trabalhista já não começou? Olhando para a realidade atual do Brasil dos últimos anos diversos fatores sugerem que sim.
Para começar, o número de desempregados. Segundo a última pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2016, 11,9% da população economicamente ativa encontrava-se sem emprego, o que representa mais de 12 milhões de pessoas.
Eis o primeiro indicador de que o modelo atual de regulação entre capital e trabalho não está atendendo.
Apesar da crise econômica, agravada pela instabilidade política, não podemos atribuir o status que vivemos única e exclusivamente a esses fatores, mas também não podemos ignorar a responsabilidade dos últimos governantes.
Voltando um pouco no tempo, precisamente ao Governo Lula, e sem qualquer viés partidário, frise-se, vivemos uma época de “prosperidade” que na realidade decorreu de um cenário artificial de crescimento, período de gastança desenfreada, aumento da dívida pública e o endividamento das famílias, fortemente incentivadas a consumirem créditos de toda espécie, ofertados por bancos públicos para aquisição de imóveis, automóveis, veículos, estudos, dinheiro em espécie, enfim, sem garantias concretas, sem sustentabilidade.
Analistas econômicos apontaram várias razões que teriam encoberto a verdadeira situação do País, como a relevante parceria com a China no mercado de commodities em meados de 2008, por exemplo, refletindo no bom desempenho do Brasil nos chamados “novos mercados” que, entre outros teriam gerado clima de euforia.
O fato é que nos anos seguintes esse sistema revelaria seus efeitos nocivos: o desemprego de mais de 10 milhões de pessoas, conforme últimos números.
Paralelamente às discutíveis políticas econômicas, profundamente afetadas ou até motivadas pela corrupção, se verificou outros fatores.
Medo de contratar
Segundo “BOLETIM EMPREGO EM PAUTA”, publicado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) em maio de 2016, as atividades mais protegidas, ou seja, aquelas reguladas pelas leis trabalhistas vigentes foram as mais afetadas. Por outro lado o DIEESE apurou aumento nas ocupações menos protegidas pela legislação como trabalhos por conta própria e trabalhos domésticos.
Outro dado que merece destaque desta pesquisa refere-se ao desligamento preponderantemente das pessoas com mais tempo de registro em carteira em comparação com aqueles contratados em período inferior a um ano, isto considerando os anos de 2015 e 2016.
Estes dados sugerem, no nosso entendimento, reestruturações mais profundas das empresas em relação à suas políticas de contratação em razão do alto impacto financeiro que um trabalhador – especialmente os que têm mais tempo de casa – representa quando não há alternativa senão a de enxugar os quadros de funcionários, pela sobrevivência da própria empresa.
Há, portanto, um nítido receio em contratar e manter um empregado celetista por longo tempo, medo potencializado pela insegurança jurídica no âmbito da Justiça do Trabalho que acaba desconsiderando ajustes firmados mesmo com a assistência de sindicato de empregados.
Por sua vez dados do EMPRESOMETRO mostra que o Microempreendedor Individual, o conhecido MEI, modalidade de pessoa jurídica criada pela Lei Complementar 128/2008, já representa mais de 56% das pessoas jurídicas abertas, número que seguiu crescente especialmente nos últimos anos.
Muito embora essa modalidade de empresa possa ter um empregado registrado maioria não possui vínculos formais, tratando-se, em boa parte dos casos, de desempregados que viram no MEI alternativa de obtenção de renda.
Impactos da tecnologia
Na era dos aplicativos, impressão tridimensional, e da inteligência artificial fatalmente o mercado de trabalho seria afetado.
Consultorias globais apontam profundas transformações até o ano de 2025, com a eliminação de determinadas atividades e com a criação de novas demandas. Isto já está acontecendo.
A robotização de atividades como a de caixas de bancos ou de atendimento de telemarketing são os exemplos mais conhecidos.
Até setores altamente regulados, marcados pelas barreiras de entrada no que se refere à infraestrutura inclusive em relação a recursos humanos começa a ser impactada. O mercado de telecomunicações, que tradicionalmente oferece serviços segregados de telefonia fixa, móvel e de dados agora tem de se adaptar aos efeitos da tecnologia, da automação, o que se confirma pelos sistemas do WhatsApp ou da Netflix, apenas para ilustrar.
O mercado financeiro, outro seguimento de rigorosa regulamentação, está em vias de ser afetado com a concorrência das fintechs, ou bancos digitais, como Nubank que une serviços financeiros com tecnologia, diminuindo custos inclusive com pessoas.
Oportunidades de emprego
Partindo do ano de 2015, pesquisa do SPC Brasil em conjunto com a Confederação Nacional dos Lojistas (CNDL) traçou o “PERFIL DAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS BRASILEIRAS”, revelando que já naquele ano 15% tinham a intenção de enxugar seus já enxutos quadros de funcionários.
Em 2016, o SEBRAE, analisando números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), apurou que em termos de contratação dezembro de 2016 foi um dos piores anos. Os pequenos negócios, que, diga-se de passagem, representam mais de 90% das empresas ativas do País, acumularam saldo negativo de 34% em comparação com dezembro de 2015. O ESTUDO mostra ainda que todos os setores sofreram retração de emprego formal celetista.
Grandes companhias abrindo novos caminhos
A necessidade de redução de custos atrelada à busca por eficiência para gerar competitividade está levando a transformações também no modo de relacionamento entre empresas e seus colaboradores, mesmo com um cenário de alta insegurança jurídica no que tange à legislação trabalhista brasileira.
E são as grandes companhias que estão abrindo os novos caminhos.
Conhecidas empresas de grande porte vêm, gradativamente, reduzindo seus quadros e inserindo empregados celetistas em um “novo” conceito de trabalho, o home office, ou teletrabalho, exercido à distância.
Porto Seguro, por exemplo, já conta com elevado percentual de seus colaboradores nesse formato. Unilever é outra companhia que segue nessa trilha, já contando com 73% de seus funcionários da área administrativa trabalhando remotamente até duas vezes por semana. Até o Banco do Brasil já investe em home office tendo dentre seus planos o fechamento de dezenas de agências, adaptando-se às mudanças atuais.
Segundo estudos do instituto americano Gallup, os funcionários que adotam parcialmente o home office conseguem dedicar mais horas ao trabalho, o que representa outro estimulo para a aposta dessas e de outras companhias para diminuição de custos, de pessoal e com aumento no desempenho.
Burocracia
Não podemos deixar de citar o fator “burocracia”. Segundo o relatório “DOING BUSINESS 2017”, do Banco Mundial, que analisa a facilidade de se fazer negócios em um país, e que considera a realidade de 190 países, o Brasil caiu para 123ª posição. No ano anterior nosso país ocupou a 116ª posição.
Em linhas gerais, esse dado implica na (in)capacidade da empresa de manter em dia suas obrigações em um ambiente altamente complexo como é o Brasil, diminuindo a atratividade de negócios e, consequentemente, as oportunidades de emprego.
Síntese das propostas de reforma em discussão
Ao final do ano passado o Governo, por meio do Ministério do Trabalho, apresentou um pacote de propostas de reforma trabalhista convertido no Projeto de Lei n º 6.787/2016, tendo como meta a confiança do setor produtivo com o fortalecimento das negociações privadas.
Embora já tenhamos manifestado em outra oportunidade que a discussão “negociado versus legislado” não faria muito sentido, pelo caráter suplementar das normas negociáveis, o emaranhado de julgados e súmulas editadas pelo Poder Judiciário fazendo as vezes do Poder Legislativo impõe a necessidade de aprimoramento das normas trabalhistas para se alcançar maior transparência, segurança jurídica e desenvolvimento econômico.
Do pacote de propostas eis síntese dos pontos que serão discutidos e breves considerações a respeito:
Majoração da penalidade para empresa que mantiver empregado sem registro | O texto propõe (art. 47, do PL) a majoração da multa para as empresas que incorrerem nessa infração, elevando-a para 6 mil reais em relação as empresas de médio e de grande porte, e de 1 mil reais para as de menor porte.
Considerando-se o pressuposto de que as normas são editadas para que sejam obedecidas e que as penalidades funcionam como meio de coibir desrespeitos, é razoável a previsão de multa. Contudo, o valor proposto mostra-se demasiadamente desproporcional, pois aplicável por empregado.
Por certo, na eventualidade de uma empresa deixar de registrar um empregado e tendo de arcar com multa dessa magnitude não se alcançará apenas sua penalização ou correção, mas, possivelmente, a inviabilidade do negócio. Afinal, “não se deve usar canhões para matar pardais”, é preciso proporcionalidade e razoabilidade. As empresas em débito já terão de recompor os valores decorrentes de sua falta, como já previa a norma e como costumam prever os instrumentos coletivos.
No mais, a dupla visita é indispensável mesmo nessas situações, sendo, a nosso ver, inapropriado caracterizá-la como exceção em diligências que devem zelar pela adequação à norma.
Ajustes de jornada de trabalho | O art. 58-A do texto apresentado orienta jornada de tempo parcial de até 30 horas semanais, definindo como limite 6 horas suplementares caso a jornada seja fixada em 26 horas semanais, com acréscimo de 50%, prevendo, ainda, a possibilidade de ajuste de jornada parcial inferior a 26 horas, hipótese em que poderá haver jornada suplementar também no limite de 6 horas e com acréscimo de 50% ao valor dessa jornada extra.
O plano ideal em relação à jornada parcial seria o ajuste via instrumento coletivo, o que permitiria a melhor adequação de acordo com as diferentes realidades setoriais. Contudo, as diretrizes propostas representam razoável flexibilidade e espaço para negociação, podendo, assim, gerar oportunidades de emprego para empresas preencherem seus turnos e, ainda, para que os empregados organizem-se em relação a outros interesses.
Compensação das horas suplementares | Nos parágrafos atrelados ao artigo 58 é proposto que as horas suplementares sejam compensadas até a semana imediatamente posterior à da execução, com a quitação na folha de pagamento do mês subsequente.
Muito embora o texto utilize o verbo “poder”, a sequência do dispositivo não confere ao empregador uma faculdade, o que implica em sérias dificuldades operacionais e logísticas para que a compensação se opere de forma instantânea como pretende a norma. Imagine períodos sazonais do comércio como as semanas que antecedem o natal, por exemplo, em que a empresa necessita da força do trabalhador por três semanas consecutivas. Outro exemplo prático, diretamente ligado com o fator burocracia refere-se ao fechamento da folha de pagamento, o que representará também um obstáculo. Logo, consideramos que será fundamental ajustar esse ponto para permitir a dilação do prazo para essa compensação, inclusive com a possibilidade de negociação via instrumento coletivo sob pena de se aprovar uma norma inexequível.
Conversão de um terço das férias em abono | Ainda no artigo 58 a possibilidade de conversão das férias do empregado em abono pecuniário é justa e necessária, sendo importante que sua faculdade não represente imposição para a empresa que, eventualmente, pode não dispor de condições financeiras para realizar essa expectativa do empregado. Tem que ser negociado.
A extinção do artigo 130-A também é um ponto a ser reconsiderado, pois a jornada parcial não pode conferir idêntico período de férias a que faz jus o empregado que cumpre jornada integral, sem contar o ônus financeiro para a empresa.
Eleição de representante dentre os trabalhadores em empresas com mais de 200 empregados | O artigo 523-A propõe a regulamentação do artigo 11, da Constituição Federal, mediante eleição de um empregado nas empresas que contarem com mais de duzentos funcionários, com direito a estabilidade e com a garantia de participação nas negociações de acordos coletivos. Ainda, prevê a possibilidade de ampliar o número de representantes até cinco, mediante acordos ou convenções coletivas.
Sobre essa proposta, o primeiro aspecto controverso refere-se à disposição do artigo 11, da CF. Lá está previsto que apenas um representante poderá facilitar o diálogo entre o empregador e os funcionários, tratando-se, aliás, de finalidade exclusiva. Portanto, a regulamentação no sentido de permitir sua participação nas negociações ou mesmo garantindo-lhe estabilidade mostra-se incompatível.
Na prática, esta possibilidade poderá, ainda, prejudicar o desenvolvimento das negociações. Os empregados já estão representados pela estrutura sindical e suas vontades bem como as oportunidades de manifestação devem ser exercidas nas assembleias. Nesse sentido, a presença de um empregado da empresa nessas negociações poderá gerar impasses entre os próprios trabalhadores. A ampliação do número de representantes além de potencializar esse risco – de desentendimento -, onerará consideravelmente a empresa, que já é obrigada a oferecer garantias em outras situações.
Por fim, é preferível o termo “associado” ao invés de “filiado”, pois, independentemente de sua participação ativa junto ao sindicato dos empregados que o representa sua filiação decorre do fato de integrar a categoria.
Tratamento legal para as questões voláteis como parcelamento de férias, participação nos lucros e resultados, horas in itinere, intervalo intrajornada, ultratividade e outros pontos | O artigo 611-A apresenta um rol em que a convenção ou o acordo coletivo de trabalho terá força de lei quando dispuser sobre os elementos acima listados além de outros tratados em seus incisos, como adesão ao Programa de Seguro Emprego, plano de cargos e salário, regulamento empresarial, banco de horas, trabalho remoto, remuneração por produtividade e registro de jornada de trabalho.
O primeiro ponto que merece destaque consiste na legitimação das negociações e a possibilidade de segurança jurídica. Muito embora a constituição já legitime as entidades sindicais e a elas atribua o dever de participar das negociações na Justiça do trabalho o quadro atual é diferente. A realidade do Brasil em relação às agências de classificação de risco mostrou quão valiosa é a confiança, Isto vale aqui também, pois, como afirmado anteriormente, há medo de contratar.
Em linhas gerais, a proposta de redação do artigo 611-A promove importantes ajustes para facilitar o relacionamento entre o capital e o trabalho, possibilitando o fracionamento de férias, ajustes na jornada de trabalho, na participação nos lucros e resultados de modo a adequar esse benefício à realidade e desempenho da empresa, negociação das horas in itinere, intervalo intrajornada respeitando o limite mínimo de 30 minutos, ultratividade e outros pontos.
Entretanto, três itens do mesmo artigo caminham em sentido contrário. Os itens VIII, IX e X, que tratam de plano de cargos e salários, regulamento empresarial e banco de horas, respectivamente.
No nosso entendimento, a regulação dos dois primeiros itens, cargos e salários e regulamento empresarial, configura uma intervenção na esfera privada da empresa, e, consequentemente, seu engessamento. Os instrumentos tratam de pisos salariais e até de funções, mas regular a forma e os cargos que empresa poderá desenvolver foge de suas atribuições. Por isso é preciso delimitar as prerrogativas via negociação sobre este aspecto.
Em relação ao banco de horas, a garantia de conversão da hora extra com acréscimo de 50% resultará em desequilíbrio na relação e alto ônus para o empregador, e a razão é simples. A hora extra mais cara do empregado se compensa pela sua ausência no dia de sua folga compensatória (banco de horas), sendo esta hora inversamente mais cara para o empregador.
Ajustes na contratação de trabalhador temporário | O projeto dilata o prazo e as hipóteses de contratação sob essa modalidade, insere na lei alguns cuidados relacionados à eleição e vigilância da empresa de trabalho temporário e amplia as oportunidades de progresso do trabalhador que poderá até se firmar na empresa tomadora. É certo que há também certa alteração no conceito de trabalho temporário, mas que não vemos com maus olhos.
Sobre o projeto, que terá o nosso acompanhamento, por ora, além dessas considerações vislumbramos que seria a oportunidade de reforçar a importância das Comissões de Conciliação Prévia a exemplo dos comandos do novo Código de Processo Civil que incentiva – e não obriga – o trato direto e amigável, com a utilização dos métodos alternativos de resolução de conflitos.
Considerações finais
Pelas razões acima entendemos que a reforma trabalhista já teve início e não foi ontem (09) com a instalação da comissão especial na Câmara dos Deputados. O engessamento das leis dificulta, mas não é capaz de impedir adaptações no mercado, especialmente com a maturidade tecnológica que o homem alcançou.
Logo, às partes interessadas, especialmente às lideranças sindicais cabe considerar as mudanças e se anteciparem a elas, sob pena de produzirem cada vez mais desempregados. Eis que necessário o aprimoramento das leis trabalhistas para privilegiar a negociação. Como costuma dizer um amigo “não podemos ceder ao pessimismo”.
José Lazaro de Sá é sócio da S & A ADVOGADOS, assessoria jurídica do SINAPREM.
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